Será que os nossos animais de estimação precisam de ser vacinados anualmente?
A criação de protocolos de vacinação com intervalos maiores do que um ano tem a oposição de uma grande parte dos veterinários, bem como das principais farmacêuticas que fabricam as vacinas e que, naturalmente, lucram com o atual status quo do sistema de saúde animal. Com efeito, a eterna rotina de vacinação anual publicitada como indispensável para proteger cães e gatos de doenças infeciosas é, atualmente, alvo de inúmeras críticas oriundas de vários grupos de estudo internacionais preocupados com a sua utilização abusiva, tendo sido identificada uma quantidade substancial de efeitos negativos causados na saúde dos nossos animais por esta política desnecessária de supervacinação.
Depois de uma pesquisa séria sobre o assunto, percebemos claramente que, com base na muita literatura disponível, não há evidências científicas claras que permitam afirmar que os nossos cães e gatos precisam de ser vacinados anualmente, bem pelo contrário. Com efeito, esta falsa ideia não é mais que um mito urbano criado através de técnicas de brainstorming implementadas por alguns veterinários e por laboratórios com interesses óbvios na matéria.
Com efeito, durante anos que as pessoas duvidavam da ideia de que os seus pets tinham de ser vacinados anualmente, uma vez que os seres humanos também não têm essa necessidade. Felizmente que nos últimos anos várias instituições e organizações veterinárias de renome mundial, tais como a AAFP/AFM Advisory Panel on Feline Vaccines, a American Veterinary Medical Association (AVMA) Council on Biologic and Therapeutic Agents, a American Animal Hospital Association (AAHA) Canine Vaccine Task Force e a British Veterinary Association (BVA), alteraram as suas guidelines e atualmente recomendam a administração das principais vacinas por períodos de 3 anos e não anualmente.
É também cada vez mais comum a nível internacional ver os veterinários a medirem os níveis de anticorpos sanguíneos para avaliar a imunidade a determinada doença, em vez de, pura e simplesmente, recorrerem de imediato à vacinação anual. Afinal para quê vacinar se o animal está imune?
Mas mesmo com as atuais guidelines da AVMA e AAHA, este assunto da periodicidade das vacinações continua a ser um assunto polémico e nebuloso, ainda mais pelo facto alguns estudos ditos “científicos” serem patrocinados por laboratórios que fabricam as próprias vacinas, o que levanta sérias dúvidas sobre a isenção das suas conclusões, pois o princípio da independência nas investigações está, à partida, comprometido. Ainda sobre este assunto, um membro da AAHA Canine Vaccination Guidelines Task Force, chegou a afirmar que mesmo a decisão de recomendar um programa de vacinação em intervalos de 3 anos foi um compromisso arbitrário não baseado na ciência.
Deste modo, o objetivo de um programa de vacinação deve ser vacinar o maior número possível de animais, particularmente em populações de risco (canis, gatis, animais de rua, animais em zonas endémicas, hotéis de animais, etc.), não vacinando nenhum mais vezes do que o estritamente necessário e vaciná-lo apenas contra os agentes infeciosos a que ele realmente está exposto. Naturalmente que a grande maioria dos animais de estimação não está incluída nestes grupos de risco, por isso a frequência da vacinação e o leque de vacinas a administrar não pode, obviamente, ser o mesmo.
Ainda a este propósito, há outros fatores que contrariam a recomendação de vacinações anuais múltiplas. Por exemplo, de um modo geral o protocolo de vacinação para filhotes de cães prevê uma série de três doses de vacinas, sendo feita posteriormente uma revacinação anual. No entanto, a duração da imunidade é variável para cada um dos componentes da vacina, sendo, por exemplo, de longa duração (de anos) para cinomose, parvovirose, adenovirose e panleucopenia, mas de curta duração (de meses) para a leptospirose. Assim o grau de proteção não é o mesmo para todas as doenças.
Esquemas alternativos de protocolos de vacinação podem ser estabelecidos pelo veterinário levando-se em consideração o estilo de vida e os hábitos dos cães e gatos. Desta forma, o veterinário poderia montar o esquema de vacinação para o animal baseado em seu estado de saúde, no seu grau de imunidade, na sua idade, no risco de exposição à doença em questão e nas probabilidades de ocorrência de reações de hipersensibilidade. É desaconselhável recomendar um programa padrão de vacinação para todos os indivíduos.
Vacinar um mesmo animal menos vezes reduz o risco de reações adversas. Alguns estudos demonstraram que não existe qualquer benefício em revacinar anualmente animais contra parvovirose, cinomose e adenovirose ao longo de um período de sete anos, isto quando comparados com animais que foram vacinados apenas quando filhotes e que continuavam imunes sete anos depois.
Recordo que nos cães a vacinação habitual é uma vacina anual múltipla (4 vacinas), contra a hepatite canina, parvovirose, esgana e leptospirose, numa injeção única. Um dos argumentos que os veterinários utilizam para justificar a eventual necessidade de uma vacinação anual também nos animais domésticos, tem a ver com a curta imunidade da vacina da leptospirose (entre 4 a 12 meses). No entanto, isto é claramente manipulação de mercado pelos grandes laboratórios com a cumplicidade das clínicas veterinárias, pois as restantes 3 vacinas asseguram imunidade durante vários anos (pelo menos 3 anos) e o animal não necessita de revacinação anual. O problema aqui é que, apesar de ser possível comprar a vacina para a leptospirose separadamente das restantes, o seu custo final no veterinário acaba por ser o mesmo de comprar o pack das 4 em conjunto. Portanto, para simplificar, se aplicar a vacina múltipla no seu cão num veterinário paga cerca de 24 euros, mas se quiser vaciná-lo anualmente apenas contra a leptospirose, para maior segurança, paga exatamente o mesmo! Ora isto mostra como o mercado das vacinas dos animais está manipulado, razão pela qual o consumidor acaba, habitualmente, por optar por comprar o que não precisa, contribuindo, inadvertidamente, para esta prática de supervacinação e todos os riscos que daí recorrem para a saúde do animal.
Ainda relativamente a este assunto, gostaria de salientar que a leptospirose é apenas endémica nos Açores e não no continente (número de casos 10 vezes superior ao do continente), isto apesar de não haver estudos recentes em Portugal sobre esta patologia, o que é mais uma razão que me leva a discordar fortemente do argumento da curta imunidade desta vacina para justificar a vacinação anual, isto contrapondo os eventuais perigos decorrentes de uma supervacinação.
Considero ainda que as conclusões de quem investiga especificamente estas questões, devem ter um peso prioritário na decisão final sobre o “quando e como vacinar”, por isso não posso deixar de relembrar as recomendações já acima referidas de instituições conceituadas de países que estão muito à nossa frente nos cuidados animais: BVA, a AVMA e a AAHA, entre outras, cujas guidelines recomendam a administração das principais vacinas por períodos de 3 anos e não anualmente.
Particularmente preocupantes são as questões relativas à vacinação em felinos por causa do sério risco de aparecimento de sarcomas associados às vacinas. Assim as recomendações das grandes instituições veterinárias americanas AVMA/AAHA/AAFP/VCS afirmam claramente que há evidências científicas diretas que aconselham a minimizar a frequência das vacinações em gatos, mais ainda quando se trata da vacina contra o vírus da leucemia felina. Aconselham o veterinário a discutir com os donos os fatores de risco envolvidos, nomeadamente quanto à possibilidade do aparecimento de sarcomas. Acrescentam ainda que se um gato desenvolver um granuloma palpável num local onde foi previamente vacinado, os benefícios versus riscos de futuras vacinações têm de ser seriamente ponderados. Todos os sarcomas associados à vacinação devem ser imediatamente reportados ao laboratório responsável pela vacina.
Paulo Santos, professor universitário